O silêncio e a saúde: existe um sem o outro?
- Daniel Lacerda

- 27 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
Deitar a cabeça no travesseiro e dormir nem sempre é fácil. Tem vezes que parece que é só a gente encostar a cabeça para terminar o dia que nossa cabeça começa a passar um verdadeiro filme misturado de situações atuais e antigas, cheio de críticas e comentários dos possíveis significados para aquilo tudo.

Daí o que era pra ser o merecido momento de descanso termina por virar uma grande maratona, disputada contra a gente mesmo, o prêmio sendo finalmente poder cair no sono, sem aquelas cenas e barulhos todos tirando nossa paz. E aqui a gente recorre aos nossos vários truques: um fone de ouvido com alguma música, podcast; rolar o feed de alguma rede social até cair no sono, ou colocar um vídeo para poder finalmente, descansar.
O silêncio tão cobiçado nesses momentos, é interpretado como um sinal de que está tudo bem. O irritante barulho interno tira nossa paz, acaba com nossas noites de sono e impede nossa concentração. Quando o corpo não está te dizendo que as costas estão doendo, que você provavelmente está gripado, é que achamos que estamos bem.
Talvez você já tenha ouvido falar das doenças silenciosas - aquelas que não dão sinal "audível" - e quão perigosas elas podem ser, justamente porque elas atuam no silêncio. No interpretar enganoso de que não tem nada doendo ou nenhum mal estar aparente, elas se proliferam e maltratam.
E se eu te disser que na saúde mental é algo parecido? Sabe quando você tá ansioso, corre, toma o remédio que o psiquiatra prescreveu pra passar o que você tá sentindo? Fazer uso do medicamento silencia o que você está sentindo, o sintoma. Mas você continua sem entender o porquê de estar se sentindo ansioso, sem cuidar da fonte de onde surge a tristeza que não passa, o cansaço que não termina mesmo descansando por dias... tudo isso é a busca do silêncio como esse sinal enganoso de saúde.

Até mesmo nas relações a mesma coisa acontece: muito de nós engolimos sapos e juramos "de pé junto" que não ficou nenhum rancor, buscando resgatar o silêncio da nossa relação, aquele momento onde não tinha o conflito, os desentendimentos. Mas na primeira oportunidade trazemos situações do passado para justificar condutas presentes, ou usar o tal do sapo como "crédito" nos nossos atritos - eu até agi errado, mas isso aqui que você fez foi pior, então você não pode falar nada. (Quem aí lembrou de alguma situação?).
O silêncio pode nos dizer mil coisas. A ausência de palavras também fala. O toque nunca oferecido também deixa marcas. Dentro do silêncio existem coisas que estamos guardando há tempos, mas que assim como as doenças silenciosas estiveram se proliferando em nós e nos maltratando.
Talvez por isso ao fim de um dia em frente à telas, concentrados no trabalho, quando finalmente nos encontramos com o silêncio, com o ócio, surge aquela voz que ficou de lado durante o dia todo (ou talvez mais tempo): a nossa própria.
É preciso compreender que não falar sobre alguma coisa não quer dizer que está resolvido. Não existe um tapete mágico para onde podemos varrer todas as coisas desconfortáveis e embaixo dele tudo some. Não há como desouvir palavras, desver situações, apagar da memória aquele momento onde você machucou alguém ou passou uma grande vergonha, ou até mesmo o momento onde por conta de um pequeno ato você sentiu um grande sentimento. Mas há como entender e afagar nossas histórias e situações.
Abraçar e tentar compreender. Tentar perdoar (ou não) quem nos fez mal ou aquilo que escutamos. Assim nos integramos, assim não ficamos com medo daquilo que está escondido por entre as "prateleiras" dos nossos pensamentos. Pode até ser desagradável, mas talvez os nossos silêncios estejam gritando justamente aquilo que mais precisamos dar atenção por algum tempo e sendo ignorados.
Que tenhamos a coragem de ouvir o que nosso silêncio tem a dizer. E não precisamos fazer isso de forma solitária.

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